Hoje se vem apenas uma leve calmaria acompanhada de uma brisa suave já me basta.
Tempos bons estão escassos.
Pintura: Gustav Klimt
Pintura: Gustav Klimt


Ouvi uma vez uma frase de Michelangelo que dizia mais ou menos que a melhor maneira de julgar os elementos essenciais de uma escultura é jogá-la de um morro e as peças que não forem importantes vão se quebrar. Esse pensamento me ocorreu vagamente hoje e pensei que ao me atirar do alto talvez só restaria pó. Nada conseguiria se manter inteiro. É como se sentisse que a desintegração de mim hoje é mais fundamental do que a permanência desse corpo ambulante sem razão. Talvez do pó que sobrasse de mim em novos moldes formasse algo mais integro e verdadeiro do que sou. Mais fundamental ao que pode se chamar de ser e existência. Me falta então, coragem de saltar e conferir o que restará enfim. Porque nem sei ao certo o que quero dizer com tudo isso. Vem do que sinto. Mas os sentidos nem sempre conseguimos expressar integralmente com as palavras. Acho que talvez tenha a ver com isso. Quis tanto que me entendessem nos mínimos e de tanto simplificar perdi a essência da espontaneidade de me ser e errar. E não apenas errar, mas errar sem culpa, do tipo que pesa como se fosse a única pessoa do mundo que cometesse erros. Sendo que se trata de uma condição humana que vivo fugindo de cumprir, ou ao menos de mostrar que a cumpro. Então talvez acabe saltando no fim e convide uma enorme platéia pra anunciar as minhas falhas antes escondidas atrás de uma bela pintura.
Olhei pra mim bem de perto e vi alguém que tem tanto medo de ficar sozinha que se afasta das pessoas a quem consegue um mínimo de aproximação mais profunda. Talvez quem ache que me conheça leia isso e nem consiga me identificar nessas palavras, mas só eu sei do que falo e o quanto solitário é esse caminho. Semana passada decidi largar a análise, justamente por não conseguir me sentir a vontade o suficiente pra falar de verdade aquilo que realmente importa pra mim. Confiança. Ela me pediu confiança para que eu continuasse. Pois calada ou não a dor sempre está lá, se trata de que tipo de dor a gente quer para nossa vida. E tem sido um esforço grande continuar a ir duas vezes na semana, sentar no divã e me obrigar a pensar nas minhas feridas e desejos. Percebo que além de nunca ter confiado em ninguém o bastante, nem em mim mesma eu pude, pois até de mim escondi quem eu sou. Soube muito bem me esconder e agora parece tarde o bastante pra me encarar de frente e me ver tão humana e tão sem braços e com milhões de pernas. Com uns 5 talvez 6 ouvidos e sem nenhuma boca. E olhos? Ah, muitos e de várias cores e tamanhos. Então tento confiar meus membros e órgãos a alguém que espero que não os decepem, mas me ajude a tentar conviver com eles. E o que precisar ser arrancado fora eu mesma farei. Eu só preciso de tempo e não tenho certeza se será em curto prazo. Enquanto isso, vou me enchendo de dias de domingo, de uma calma necessária pra mim por hora.
Que certezas que preciso pra poder dar mais um passo? Será possível que eu realmente consiga me preencher de certezas sólidas? É porque não tenho certeza do que quero e ela me parece tão necessária para que eu possa seguir. Não sei o que quero e nem sei se posso dizer que sei o que não quero. A verdade é que não tenho certeza de nada. Ando com tanto medo de arriscar em perder me esquecendo que posso até ganhar. Talvez a perda maior seja permanecer no mesmo e não me mover. Mas é que ando sem paixões a me mover e só locomoção pelo fluxo faz eu ver as coisas tão sem sentido. Pois é, eu tô sem sentidos e nada me comove nem me move. Nada é suficientemente atraente que me faça pensar na possibilidade de caminhar até lá pra ver, pra ao menos saber. Isso é um tipo de coisa que me incomoda. Mas é incomodação preguiçosa, daquelas que se faz sentada numa mesa de bar banhada a cervejas e cigarros na companhia de colegas e filosofias sobre a vida e nossos fazeres. Reclamamos da hipocrisia do mundo, da banalidade de nossos fazeres e delimitando cada uma de nossas insatisfações. Mas é tudo conversa que no dia seguinte só resta a cinza do cigarro e uma ressaca daquelas. A minha atitude é de sempre voltar a rotina do dia seguinte num conformismo idiota. Certezas precisam ser adquiridas na prática e não no filosofar sobre possibilidades. A conversa é boa, mas quando nossas práticas terminam em somente intervenções de boteco me preocupo com a fala vazia que sai de mim. Quando enfrentarei meus medos e arriscarei certezas pagando o preço de perder a possibilidade de tê-las?