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domingo, 31 de outubro de 2010

A MENINA DO SORRISO DE VIDRO


Uma vez disseram a menina que mesmo numa tempestade era preciso conservar o riso. A menina aprendeu a sorrir diante dos momentos mais tortuosos. Teu sorriso de vidro permanecia intacto seja qual situação fosse. Poderiam vir terremotos e nenhum estremecimento causava, nem uma rachadura sequer. O sorriso continuava lustroso e vibrante. De longe podia se ver os raios luminosos do sorriso que contagiava a sua volta. Era um mistério como a menina conservava o sorriso. Qual o seu segredo? O tempo foi passando e o mistério continuava. Pessoas do mundo todo queriam conhecer a menina do sorriso de vidro. Até que cada vez mais aglomeravam pessoas a sua volta a admirar teu sorriso. Mais e mais tempo ela tinha que permanecer a mostra com seu sorriso. O povo da cidade se reuniu e uma das lojistas ofereceu uma vitrine para que a menina ficasse exposta. A menina passou então a viver de expor o seu sorriso na vitrine. Chegava as 8 horas da manhã e saía pro almoço de meia hora e retornava no seu posto até as 18 horas da noite. Era assim todos os dias. Mais e mais pessoas iam ver a moça do sorriso de vidro. Até que um dia. Num dia de expediente qualquer. Teu sorriso se rachou. Rachaduras que iam ficando cada vez maiores. Não sabiam o porque das rachaduras. Ninguém entendia como isso havia acontecido, nem a própria menina. As visitas foram diminuindo. A menina do sorriso de vidro não era mais novidade nem atração. Agora ela havia virado a menina do sorriso de vidro rachado. As pessoas não queriam ir mais a cidade conhecer a menina do sorriso rachado. E ela foi sendo esquecida aos poucos. Até o dia que perdeu seu emprego na vitrine para o homem que chorava lágrimas de crocodilo.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

DA MINHA RELIGIÃO


Tenho respeitado religiosamente a vontade que me invade. E não levanto altares em sétimos dias.

domingo, 24 de outubro de 2010

DESSES GOZOS MEUS

Me esquivo de toda aquela forma de vícios que entregamos um ao outro em forma de presente todos os dias.
Tocas a campainha e eu me escondo atrás da cortina abrindo um fresta pra ver teus olhos esperançosos em me ver. Logo vai embora com ares de perda, cabisbaixo. E diz não saber porque teus presentes retornam com o embrulho intacto de como saiu da loja.
Mais ainda confuso não entende porque eu parei de enviar os tantos agrados que trocávamos em promessas.
De alguma forma tomei conta desse jogo e já não preciso mais corresponder a algo que chega a mim sem eu sinalizar precisão. E todo agrado já me basta só de bater a porta, nem preciso ter em minhas mãos. Não preciso segurar.
De certa forma está agarrado a mim e de um jeito perverso corto a linha a segurando um pouco mais. E de um jeito meigo e delicado desfio cada fio que entrelaça a linha. Até esfacelar o ultimo e sem mesmo que ele percebas partir.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

DESPEDAÇAR





Acho que me agarrei demais no concreto. Naquilo que existe, vivo e está aqui bem diante de mim. Me agarrei não na possibilidade, mas no fato que se apresenta. Tudo isso como esforço pra não deixar que a água leve meu barranco a baixo. E nesse momento isso tem sido mais que essencial pra mim. Até o momento que as raízes fiquem expostas e comecem a cair as primeiras árvores dessa terra. E junto com elas todo cimento que cobre o chão vai despedaçar. A todo tempo e momento tomada por essa sensação de despedaçar.





Pintura: Salvador Dali

domingo, 17 de outubro de 2010

RESPIRO


Então, esse silêncio que tomou posse de mim, é meu jeito de dizer: Chega!

Chega de fazer lambança com a tua vida. Respira e sente. E no sentimento encontra as respostas que teus pensamentos tem te impedido de ouvir. E quando aquietar tudo é que o novo vai brotar.

sábado, 16 de outubro de 2010

DE NOS DEIXAR



Aos poucos eu ia e te deixava ir também.

Em caminhos que eu fiz questão de não cartografar.

domingo, 3 de outubro de 2010

Versos Fragmentados



"Em casa, lia a maior parte do tempo; tentava assim extinguir sob impressões exteriores o que fervilhava constantemente em mim. As únicas impressões exteriores de que dispunha me vinham da leitura. Elas eram para mim um grande conforto, naturalmente: comoviam-me, distraiam-me, atormentavam-me; porém um momento chegava em que ficava muito fatigado. Sentia necessidade de agir: então, de repente, mergulhava na libertinagem, numa sórdida libertinagenzinha hipócrita, subterrânea. Minha irritação contínua tornava minhas paixões ardentes,lancinantes. Meus impulsos apaixonados terminavam em crises de nervos, com lágrimas e convulsões. Fora da leitura eu não tinha nenhuma distração. Nada em torno de mim que pudesse me impor um certo respeito e me atrair para si. Uma angustia vaga me submergia; eu experimentava uma sede histérica de contrastes, de oposições, e então me lançava na devassidão."


(A Propósito da Neve Fundida - Fiodor Dostoiévski)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

DE QUANDO SENTI


As palavras ficam percorrendo meu corpo causando dormência em cada músculo e quando parei de pensar é que senti. Senti cada pulsação. Senti cada respirar. Senti cada vibração de cada molécula existente. Foi quando tive dimensão do que sou. De como tudo isso que me constitui causa ressonância com aquilo que é do outro. Talvez seja só o meu transbordar que se mistura com o trasbordar do outro. E nesse entre promove uma outra coisa que habita vários em um. Da ordem de um encontro que não se comunica na linguagem. Encrava a carne. Permanece no corpo.