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quinta-feira, 22 de abril de 2010

ENGARRAFADA

Joana. 32 anos. Nem magra nem gorda. Cabelos longos e pintados de vermelhos, mas com a tinta já para retocar. Não era uma mulher de manias. Tinha uma apenas. Juntar garrafas. Catava todas que via pela rua. Das que tiveram a vida mais alegre na mão de um adolescente em meio a um show animado. Até a garrafa de um bêbado chorando lamúrias em uma esquina qualquer. Todas eram lembradas e guardadas por ela. Todas as garrafas que pudesse. Sua casa já não se via mais nada a não ser garrafas. Ah é claro e todas eram de vidro. Elas eram muito bem cuidadas. Assim que chegava em casa Joana lavava e tirava o rótulo uma a uma. Todos os dias olhava para elas com encantamento. Sentia-se tão só e abandonada quanto elas. Cuidava delas como gostaria de ser cuidada por alguém. De uma sutileza e amor muito amor. Tanto amor que começou a perceber que de tanto amá-las acabou por aprisioná-las. Nesse amor acabou por cultivar um de seus maiores medos: perdê-las. Com um tempo passou a perceber que todo o cuidado e carinho que as deu já havia sido o suficiente e agora elas precisavam voltar para a rua. Precisavam correr riscos e porque não? Quebrar. Sim elas precisavam correr o risco de virarem cacos. E junto com suas garrafas espatifou-se no chão. Deixou-se derramar junto com as garrafas. Engarrafada de pensamentos, medos, anseios e dores foi (des)engarrafando em meio a dança e poesia fazendo um convite a todos para se engarrafarem. Dividindo garrafas em meio a desabafos e permitindo que algumas pudessem se quebrar. Não sem dor. Não sem choro. Mas se permitindo deixar ir.



Inspirado na apresentação da Companhia de Dança "Centro de Experimentações em Movimento" com a peça "Engarrafada.

3 comentários:

Sylvia Araujo disse...

E o que seria a vida sem os riscos? Sem o espatifar-se pra depois se refazer? Linda metáfora!
Desengarrafemos! Deixemos que a vida nos invada, inteira, volumosa, sem margens para contê-la.

Beijoca

LARISSA MIRANDA disse...

Prazer, me chamo Joana, prendendo gente na minha vida, amando demais, criando medo de perder, perdendo... E mesmo assim Joana, novas garrafas, novas pessoas... Simples assim.
Muito lindo, me identifiquei!
Beijos

Mell Renault disse...

Olá, moça!
essas garrafas me lembraram imensamente aqueles antigos baús, de onde sempre acabamos tirando dores, amores, sorrisos, momentos encantados! E o que seria de nós sem esses relembramentos??
Além do mais, nessas garrafas o que há? Vinhos da melhor espécie misturados há um certo gume de sentimentos interessantes!!
Lindo como você trnasforma matéria em poesia...
Obrigado pela visita!!
Tem msn?? QUeria conversar mais, trocar experiências literárias!!
Um enorme beijo e bom fim de semana!
Mell